17.2.07

"Sobre escrever estórias" com Nelson Galot


Finalmente, falando sobre a escrita de estórias com Nelson Galot.











Sobre escrever estórias, julgo que taxar a dificuldade entre as etapas "início, meio e fim", muito limitado. Há estórias sem início, outras sem meio, muitas sem fim. Outras estórias possuem apenas fim ou início. Alguns autores escrevem quase todo tipo de estórias, a maior parte se especializa em alguma delas. Porém, quando a estória é muito boa e o tema favorece, esses segmentos serão visíveis apenas na mente do processo criativo do autor, pois forma-se uma unidade. Uma unidade que não começa, nem acaba, apenas é.

Minhas estórias, pelo menos as poucas que fiz, as ideais, não possuem fim. O fim, para mim, foi feito para se perder dentro de quem lê e isso não significa fabricar angústias, pelo contrário, o enigma, o mistério, são as pontes. Digo ao leitor "aqui está, fiz até aqui e escrevi isso com um motivo específico que eu não saberia explicitar senão desta forma. Agora, com estas peças que lhe forneço, signifique-a e insira na sua vida da melhor forma que puder". Assim espero que seja, afinal, quanto mais conduzo a estória, menor seu público pode se tornar e mais estúpido me sinto de estar reduzindo o construído à uma pequena coleção de precisas e localizáveis idéias. O absurdo e a poesia são imprescindíveis para exaurir a escuridão da rotina.

Muito em breve: o nascimento do anti-herói carioca, desde o início, fim, meio ou em sua unidade. Até.

Foto: google, espalhando as imagens pelo mundo.

10.2.07

Um chá

Foto: google.


Te arranhei o rosto com a unha e você disse ai rindo. Eu ri, você ria, a gente fundiu num beijo. Veio um silêncio de cozinha em noite quente.
Levantei me desgarrando: você quer chá? - de costas.
Não.
Você não queria mais nada. Me olhava apenas - Ingênuo, doce... - e pensava o tanto de amor e de admiração, as festas, os amigos em comum, as perdas juntos, os ganhos partilhados, cometários, risos, satisfações. Muitas, todos os dias.

- A gente não carrega nada desse mundo, amor?
- Como?
- Você acha... A gente leva alguma coisa?
Uhm. Suspirei, sorri leve. Olhei teto e chão de ladrilho.
- Eu não sei, meu amor... eu não sei. Acho que depois que algumas coisas acontecem, a gente... não quer saber. Não quer... Para que?
Meu queixo desceu um pouco e meu olhar lhe caiu dentro.
Voltamos num beijo e o chá evaporou nos dias.

1.2.07

A Babel dos nossos dias





Matadouro do Dia
(Brasigóis Felício)


Avisem os tristes da cidade:
darei de beber
de meus olhos naufragados
a quem ficar a meu lado.
Darei de comer de meu corpo violado
aos nus, aos desesperados.
Venham beber o vinho amargo
da minha bêbada amizade
os que nunca se encontraram.
Voltaremos tristes para casa
(o peso do mundo nos ombros).
Só depois de beber, e ficar puros
esqueceremos as coisas
(seus escuros muros altos).

Venham beber o vinho amaro-amargo
do meu sangue torturado.
No porto inseguro de mim
há pão e fel para todos.
O país é rico e sujo:
amanhã seremos degolados.
Darei de beber
de meu sangue aleijado
aos tristes, aos suicidas
aos pederastas, às prostitutas.
Vamos todos, mutilados
ao matadouro do dia!



Foto: google, o recanto do alheio.
Amanhã, uma troca de idéias com Nelson Galot.
Quero ver "Babel", parece a verdadeira e original dos dias hoje, muitas recomendações positivas.