30.10.07

O melhor poema que jamais escrevi

Esse vai em conta dos que mais agradam a auto-crítica. Me traz umas lesminhas de Manoel de Barros, babando vestígio no que digo. E na poesia, quando a boca abre para o grito, estatifica num movimento constante que, salvo os homens não a calem por ignorância de qualquer caráter, se destina a zumbir nas almas errantes através dos séculos.
Tudo bem, isso tudo não é pra mim, certo? (rs)



O melhor poema que jamais escrevi


O melhor poema que jamais escrevi
tem doze versos octassílabos e oito alexandrinos
Mas é todo livre e branco
O melhor poema que jamais escrevi
possui a beleza da própria musa,
os ouvidos do mais alerta,
o olhar da esfinge
e o mistério das pirâmides
O melhor poema que jamais escrevi
tem um gérmen de árvore
rompendo por sobre seus pés
é melhor que ele mesmo
e tem um sabor condescendente
Quando perguntado - de quem é a culpa?
(ele abre um risonho)

O melhor poema que jamais escrevi
Nunca aceitaria um poema melhor
Sob pena auto-destrutiva
de ser menos escrito do que jamais foi
para se a-fazer melhor do que já é

Por fim, o melhor poema que jamais escrevi
não teria meio de se fazer,
Pois perdido no labirinto das opções
No polilema de se querer tudo-todo em todo nicho,
acaba tomando bicho no ego
e definhando
Isso, porém, minha gente, sem dor
Pois o melhor poema que jamais escrevi,
jamais foi escrito
e é a própria morte
na forma de uma vida sem existir.

27.10.07

fragmentos II




A janela tremeu, o inverno disse. Não de frio, que isso é de homens, mas de tristeza. Ameaçou chover, ventou. Suposta mudança: e tudo ficou para depois. As roupas saíram do varal, os cães foram para os canis, o que secava na sacada se recolheu, esperando para evaporar. Tomou-se ordem de aguardo do estio antes mesmo do início da tempestade, porque nessa vida pede-se que os homens se antecipem as tragédias, ainda que ninguém avise com precisão quando vai morrer.